Um dos melhores que já li. /CC/ GT DO SENTIDO DA VIDA Anões, esse GT vai ser grande pra caralho AVISO: Apesar de parecer, esse GT não é mais uma história romântica clichê, confie em mim. PRÓLOGO: >oi, eu sou o… bem, isso não importa >tudo o que você precisa saber é que minha vida é um saco >eu tenho depressão >mas não como esses frutinhas, suicidas de facebook >eu realmente tinha depressão >uma vez um professor meu com quem eu conversava muito me disse que eu tinha um tal “niilismo existencial” >é o nome para o que eu sinto >mas essa história não é sobre isso >é sobre como minha vida mudou para sempre >era uma sexta-feira qualquer de 2004 >eu tinha 16 anos e era o meu primeiro emprego >eu trabalhava em uma locadora >meu sonho era ser um cineasta >por enquanto, aquele era o melhor emprego para mim >eu ficava o dia inteiro assistindo filmes >as vezes eu precisava parar para atendente clientes >mas nada que me incomodasse, afinal é o meu trabalho >em um desses dias, uma garota apareceu lá >ela era bonita, bem bonita, mas eu não dei muita atenção para isso >era só mais uma cliente, já passei da fase de me apaixonar por pessoas aleatórias que nunca vou ver outra vez >enfim >faltava apenas 7 minutos para eu fechar a locadora >algumas pessoas, principalmente mulheres, amam demorar pra caralho enquanto escolhem um filme >então eu não só não liguei para a beleza dela, como não gostei que ela aparecesse >tava pensando o quê? >que eu ia olhar os lindos cabelos loiros dela, os olhos azuis e a pele clara e lisa, e sentiria uma atração inexplicável por ela? >vai tomar no cu >isso aqui não é um livro adolescente >para minha surpresa ela foi bem rápida >pegou três DVD’s >isso era bom >não pude deixar de notar que ela trocou os adesivos dos DVD’s por outros >caso você seja um juvenil de bosta, deixa eu explicar: >em algumas locadoras os DVD’s tinham adesivos >cada adesivo tinha uma cor, na minha locadora eram 3 >o adesivo dourado, o prata e o vermelho >o dourado era 9 reais, o prata 6, e o vermelho 3 >quase não tinham DVD’s com adesivos dourados >a maioria era vermelho, e alguns pratas >quanto melhor fosse o filme, mais chances do adesivo dele ser dourado >quando ela trouxe os DVD’s, logo saquei tudo >ela não sabia, mas eu conhecia praticamente cada um daqueles filmes >ela tinha pego 3 filmes bem antigos >Luzes da Cidade, Cantando na Chuva e Último Tango em Pariz >TODOS OS TRÊS ERAM DVD’S DE ADESIVOS DOURADOS >estavam com adesivos vermelhos >ela sequer se deu ao trabalho de disfarçar, colocar pelo menos um dourado >se fossem ao menos prata, mas vermelhos? >um filme com Charlie Chaplin, outro com Genne Kelly e outro com Marlon Brando >TODOS OS TRÊS VERMELHOS? AH, VSF! >eu tive que prender a risada >- dá 27 reais, moça – eu disse, colocando em uma sacola >- não, dá 9 reais! - ela respondeu >- daria, se fossem filmes com adesivos vermelhos. >ela apontou para um dos DVD’s, motrando o adesivo >- eu vi você trocando os adesivos >- eu não tr… >antes que ela terminasse eu apontei para uma câmera >depois apontei para o monitor no meu balcão >ela se calou, ficou meio sem graça >ela ficou MUITO sem graça, na verdade >- olha, eu não queria te constranger, mas… >- não, tá tudo bem, desculpa por isso. >porra >ela realmente parecia muito bolada >ou era uma ótima atriz >o que não me surpreendia, já que era aparentemente uma cinéfila >porra de novo >eu realmente fiquei com pena dela >- tá tudo bem, ninguém precisa saber… - eu disse, piscando o olho para ela >ela me olhou estranho, acho que não tinha entendido >- humm, vejamos o que temos aqui… - eu disso ironicamente, olhando para os DVD’s – olhe só! 3 DVD’s com adesivos vermelhos. >ela riu >o sorriso dela era lindo >- são 9 reais, moça. >ela tirou o dinheiro da bolsa >eu entreguei a sacola para ela >- posso saber em quais DVD’s você colocou os adesivos dourados? >ela não respondeu >agora tinham 3 filmes horríveis custando 27 reais na nossa locadora >- tá bem… já tem cadastro? >- Ágata Vila-Flor >- humm, vida longa à Portugal! - respondi ironicamente enquanto procurava no computador >ela estava devendo outros 13 filmes >puta que pariu, qual é o problema dessa garota? >eu simplesmente ignorei, não sei dizer o motivo >- tudo bem, você tem o final de semana inteiro >- obrigado – ela respondeu, e foi embora >mas antes que ela passasse pela porta, eu chamei sua atenção novamente >- como você sabia? >ela se virou para mim >- sabia o quê? >- como você sabia que eu não ia falar dos 13 filmes que você não devolveu? >ela simplesmente sorriu e foi embora Depois do fim de semana… >segunda-feira >aguardei ela chegar para entregar os DVD’s, mas ela não apareceu >é claro que eu esperava por isso >na hora de fechar, pensei em esperar um pouco >no dia que ela tinha pegou os DVD’s era bem tarde >mas depois de dez minutos eu desisti e fui embora >terça-feira >eu pensei que talvez ela aparecesse >mas acho que ela não estaria disposta a pagar multa por atraso >quer dizer, ela não tinha nem 27 reais para os 3 filmes que pegou naquela noite >imagina pagar a multa de atraso de todos os 13 filmes? >era um real por dia, e o primeiro filme que ela alugou foi há 1 mês >fico me perguntando como meu avô deixou isso acontecer (era ele que tomava conta da locadora antes de mim, na verdade a locadora é dele) >agora ele está muito doente pra isso, mas não vem ao caso >quarta-feira >eu já tinha desistido >ela definitivamente era uma ladra de filmes >ainda assim algo me fez esperar 10 minutos novamente >eu sentia que ela apareceria... senti errado >desisti e fui emborra >à noite, nenhuma novidade >apenas eu trancado no meu quarto assistindo uma sitcom para amenizar meus problemas psicológicos de merda >durante a manhã eu estudava >no colégio a professora de Português me passou uma atividade >eu tinha que fazer a resenha de um livro >ela escolheu um livro para cada aluno >mas não os entregou >era para a gente arranjar os livros >um sortudo ficou encarregado de fazer a resenha de Eu, Robô >eu manjo muito de ficção científica >mas fiquei encarregado de fazer a resenha de um livro chamado 1984 >de um tal de George Orwell >não conhecia, mas ela falou que era um misto de romance com ficção científica >que merda >eu procurei pelo livro na biblioteca do colégio, mas não encontrei >agora eu tinha que achar essa porra >tinha uma biblioteca perto do colégio, provavelmente eu o encontraria lá >do colégio fui direto para a biblioteca >chegando lá, algo intrigante aconteceu >eu encontrei ninguém menos do que ela: a ladra de filmes . >eu me aproximei dela, ela ainda não tinha me visto >estava folheando um livro de frente para uma prateleira >- você também rouba livros? - perguntei, a pegando de surpresa >ela continuou de costas para mim, e colocou o livro de volta na prateleira >- você demorou de me achar! - ela disse, se virando >- você queria que eu te encontrasse? - eu perguntei, intrigado >- claro que não! - ele negou, com um tom de deboche – mas eu sabia que você iria tentar. >- se quer saber, não te encontrei aqui intencionalmente. >- não? >- não, preciso pegar um liv… >nesse momento eu percebi que o livro que ela colocou na prateleira era justamente o que eu estava procurando: 1984, de George Orwell >ela percebeu que eu fiquei olhando para ele, então ela o pegou novamente >- você quer isso? - ela perguntou rindo >- é, era ele que eu tava procurando. Vai roubar primeiro? >- é uma biblioteca, eu não preciso roubar. >- você não devolve os filmes. >- mas devolvo os livros, e quer saber? Eu não te devo satisfação nenhuma. >ela simplesmente foi até a bibliotecária com o livro >- ei, o livro! - eu gritei >- eu vi primeiro… - ela disse, piscando o olho para mim antes de falar com a bibliotecária >bem, eu não podia simplesmente tomar dela >tecnicamente ela tinha o direito de pegar o livro, ela viu primeiro >eu precisava pensar em algo >então decidi segui-la >assim que ela saiu da biblioteca eu saí também >tentei manter distância durante todo o percusso >ela seguiu por um caminho que passava por um parque >depois ela deu a volta por um condomínio próximo >tinha um campo verde enorme >tinha muito verde pela frente, e depois do verde tinha a areia, as pedras e o mar >ela estava saindo da cidade >e pior, pela pista >eu a segui, mas se ela olhasse para trás me veria >não tinha onde eu me esconder, eu não ia me esgueirar por árvores feito um imbecil >o “passeio” deve ter durado meia-hora >no meio do caminho ela finalmente teve a ideia de olhar para trás >- você consegue chegar lá sem morrer? Tá suando e respirando igual a um porco há uns quize minutos. >ela sabia o tempo todo que eu estava seguindo ela >eu devia ter previsto isso >- não quer saber por que eu tô te seguindo? >- não, eu não ligo pra você. >um bom tempo depois finalmente chegamos no litoral >eu não fui até as pedras, pois a água estava batendo nelas e eu ia me molhar >mas ela foi até lá, mesmo com o livro >- cuidado para não molhar o livro! - eu gritei, irritado >- isso não é problema seu. - ela respondeu >ela conseguia ser mais irritante que qualquer pessoa que eu já conheci >mas eu tinha um bom plano >ou ao menos um que ia servir por agora >tentaria chantagear ela com a dívida dos DVD’s >- você tá me ouvindo? - gritei >- não! - ela gritou de volta >não sei se ela pensou que isso seria engraçado >tanto faz, eu simplesmente fui para mais perto dela >- eu preciso do livro. - eu disse >- é, eu também. >- sério, eu tenho uma atividade no colégio valendo ponto, e preciso dele. >- não tô te ouvindo direito, por que você não vem mais pra perto?” >eu me aproximei ainda mais, por algum motivo, mesmo sabendo que ela só tava curtindo com a minha cara >- por favor, eu preciso desses pontos. >ela se levantou da pedra onde estava sentada >- vem aqui pegar… >- eu não vou jogar esse tipo de jogo! >- foi o que eu pensei – ela disse, se sentando outra vez >aquilo soou como um desafio para mim >tomei coragem e fui até lá >- é assim que vai ser? - eu perguntei >ela se levantou rindo, e me encarou esperando que eu tentasse pegar o livro >eu fui na direção dela, e ela fez a coisa mais doida que alguém já ousou fazer comigo >ela simplesmente me empurrou e eu caí no mar >mas tinha um problema: eu não sei nadar >eu comecei a me debater na água, enquanto subia e descia várias vezes >não era o que eu estava planejando para a minha sexta-feira >há uma semana ela tinha trocado adesivos de DVD’s da locadora em que eu trabalho, e eu achei isso radical >ela ficou rindo de mim, talvez achou que eu estivesse sendo dramático >ou talvez ela só fosse uma psicopata do caralho >felizmente ela não era, pois quando percebeu que era sério, parou de rir no mesmo momento >ela se jogou na água e me ajudou >que ótimo, agora eu fui salvo pela pessoa que eu pretendo tomar um livro >se eu tinha algum resto de dignidade, eu perdi naquele momento >- você tá bem? - ela perguntou >eu não consegui responder >- é, acho que eu vou ter que fazer respiração boca a boca… >nesse momento meu coração disparou >- brincadeira! - ela disse rindo, e então deu um murro na minha barriga >eu tossi e depois cuspi toda a água que tinha engolido >- se as pessoas soubessem que isso funciona, os filmes de romance iriam perder a magia – ela disse se levantando. >o quê? Você pensou que iríamos nos apaixonar depois dela salvar minha vida? >eu já te avisei que isso não é um romance clichê >mas o fato de que eu entrei em uma euforia anormal quando ela sugeriu respiração boca-a-boca me deixou intrigado >mas acho que não tem problema nenhum com isso, ela era bonita e ia me beijar >não é como se eu sentisse algo por ela ou coisa assim >enfim >depois disso eu me levantei e olhei para a minha roupa >eu definitivamente preferia ter morrido afogado >eu tava completamente encharcado >- você não sabe nadar… - ela comentou, rindo >- você acha? - eu disse, enquanto parti para cima dela para pegar o livro de novo >diplomacia não é o forte dela, eu devia saber >ela fugiu de mim por um tempo, e parecia estar se divertindo com isso >até que eu finalmente a agarrei pelo braço >qualquer pessoa que visse aquilo pensaria que era um casal curtindo >nesse momento nos encaramos olho no olho >só então eu percebi o quanto ela era bonita >é óbvio que eu já tinha reparado que ela era bonita, mas… ela era MUITO bonita >mas eu esqueci isso no mesmo momento, porque para meu desespero ela simplesmente jogou o livro no mar >- você não fez isso… - eu olhava para o mar, incrédulo >eu percorri de uma biblioteca até uma porra de praia, por um livro que ela tinha acabado de jogar na água >- você deve querer muito esses pontos… - ela disse rindo, enquanto olhava para o mar também >por um momento eu tive vontade de matar ela >bem, ninguém tava vendo, então seria uma bela oportunidade >- por que? - eu perguntei olhando para ela, desesperado >ela deu de ombros >- você é sempre assim tão… monótono? >- monótono? Você acha que só porque eu não roubo DVD’s e jogo livros no mar eu sou monótono? >- se eu fosse você, eu teria depressão… >okay, eu entendo que ela não teve a intenção >mas doeu tanto quanto aquele murro na barriga >ela percebeu que eu fiquei mais sério depois que ela falou isso >- você não tem depressão, tem? >eu respirei fundo >- é melhor juntar dinheiro, sua ladra maluca! - eu disse apontando o dedo na cara dela – porque você tem uma multa muito cara para pagar lá na locadora >- eu não vou pagar nada e você sabe disso. >- vamos ver! - eu disse, e fui embora >eu estava com muita raiva dela >ela tinha ultrapassado todos os limites >falar da minha depressão foi o fim da picada >- ei, idiota! - ela gritou, mas eu não olhei para trás >ela tentou me acompanhar >- sai de perto de mim! - eu disse, apontando para longe >- eu sei onde conseguir outro livro daquele. >eu parei >meu orgulho não queria deixar, mas eu precisava do livro >- eu tô ouvindo – disse, cruzando os braços >- em outra biblioteca – ela disse rindo >- você é uma idiota… >segui meu caminho, me concentrando em não quebrar meu código de honra: não bater em mulheres >- você é um bebê chorão! - ela gritou, já longe >- essa foi a coisa mais imatura que eu ouvi em anos! - gritei de volta >- chorar é mais imaturo ainda! >eu ignorei, apenas segui meu caminho >eu tinha o fim de semana para conseguir outro exemplar de 1984 >mas aquilo não ia sair barato, literalmente não, ela ia pagar por isso… e pelos DVD’s . >sábado de manhã >estou em minha cama olhando para o teto >somos 7 bilhões >em um universo de uma vastidão… do caralho >que existe há… muito tempo >muito tempo mesmo >e que provavelmente vai existir por mais tempo ainda >eu não sou nada >eu morrerei e serei esquecido por todos >cairei no limbo do universo >as pessoas que me amam vão superar, e seguir em frente >e quando elas morrerem, não terá sobrado nada de mim nesse mundo >nem mesmo as lembranças, pois não tem ninguém mais vivo que se lembre de mim >ah, a propósito: bom-dia >niilismo existencial, sabe como é >enfim >eu tinha que encontrar um exemplar de 1984 >e falar com meu avô sobre a ladra >minha cabeça doía só de me lembrar dela >finalmente criei ânimo para levantar >antes mesmo de tomar café fui falar com meu avô >- vô, temos um problema lá na locadora. >- o que aconteceu? Algo deu errado? >- não, não, não é isso. Bem, é que… tem um cadastro lá, de uma pessoa, e ela tem 13 filmes que pegou há muito tempo, e ainda não devolveu. E ela p… >antes de terminar, lembrei que não podia falar que ela pegou mais 3, pois eu tinha acobertado isso >- e ela… ela não aparece pra devolver, sabe? >- qual o nome do cadastro? >- Ágata Vila-Flor. >meu avô riu >- ah, não se preocupe com isso! >- quê? M-mas, por que? >- apenas deixe isso pra lá, não vale seu tempo. Vá se divertir garoto, hoje é sábado! >aquilo foi estranho pra caralho >eu tinha que fazer algo a respeito >ela tinha que pagar pelas merdas que fez >mas agora não tinha nada que eu pudesse fazer, pelo visto >o melhor a ser feito era eu tratar de providenciar o livro >tinham outras 2 bibliotecas na minha cidade, todas bem longe >tudo bem que eu fui parar fora da cidade no dia anterior, mas na verdade esse era um bom motivo para eu não fazer nada parecido hoje >estava extremamente cansado >resolvi que ia jogar tudo pro alto >passei a manhã inteira assistindo uns desenhos que estavam passando na televisão >depois passaram alguns programas chatos até que eu encontrei um daqueles filmes oitentistas de ação bem mal-dirigidos >fiz isso até dar meio-dia >almocei tranquilamente, como se nada estivesse acontecendo >foda-se a resenha daquele livro idiota >foda-se os filmes que a ladra roubou >depois do almoço fui para meu quarto novamente >joguei video-game por horas à fio >até que uma pedra caiu no chão do meu quarto >só tinha uma explicação: alguém jogou ela na janela >eu fui olhar na janela e uma pedra acertou meu olho >puta que pariu >era a ladra de filmes >- Rapunzel, jogue suas lindas traças para mim! - ela disse, sempre com aquele tom de deboche dela >- que porra cê tá fazendo aqui? Aliás, como você sabe onde eu moro? >- você vai descer ou não? >eu não respondi, apenas fechei as janelas >de repente eu ouvi do meu quarto alguém batendo na porta da casa >era ela de novo >antes que eu pudesse gritar pro meu avô não atender, já era tarde demais >- pois não? - meu avô perguntou, inocente >- oi, eu sou uma amiga do seu neto, ele tá ai? >- ah sim, claro, minha jovem! Pode ir entrando… >puta que pariu… puta que pariu duas vezes >- ele está enfonado naquele quarto dele, fique à vontade. >- obrigado – ela respondeu com um sorriso gentil para ele >que garota encantadora >ou ao menos deve ter sido isso que meu avô pensou >mas eu sei bem o que essa maluca é >eu fiquei encostaod na porta, esperando ela subir as escadas >- seu avô é um fofo – ela respondeu, e passou por mim entrando no quarto >- sim, pode entrar! - eu falei ironicamente, e entrei no quarto também >ela fechou a porta e jogou uma mochila na cama >- o que você tá fazendo aqui? - eu perguntei >ela se sentou na minha cama e olhou ao redor >- seu quarto é legal, e você tem uma televisão nele >- você não respondeu minha pergunta >- isso é um PlayStation? - ela disse, ligando meu console >- eu estou esperando uma resposta… >- aposto que eu ganho de você em qualquer jogo! - ela disse >- tá, legal, agora me diz o que você veio fazer aqui. >ela foi até a mochila e pegou um livro >era o livro que eu precisava, 1984 >ela me entregou o livro na mão >- se você pensa que isso muda alguma coisa… >eu fui interrompido >mas dessa vez não por uma das maluquices dela >quer dizer, de certa forma sim >ela simplesmente me beijou >foi um beijo bem longo, e eu demorei pra assimilar o que tava acontecendo >quando finalmente pensei em reagir ela parou >- tá legal, o que foi isso? >- você beija mal – ela disse, pegando o joystick para jogar >- mas eu nem tava… esquece! Você é maluca! >ela riu, enquanto começou a jogar >- Final Fantasy é coisa de frutinha, não tem nada melhor aí não? >que idiota, FF é uma das melhores sagas de jogos que existem >ela pegou meu disco de Metal Gear Solid >- isso sim é um jogo bom! >eu não sabia como mandá-la embora >eu tinha esse direito, eu sei que sim >mas era muito estranho, como falar “vai embora do meu quarto”? >ainda mais pra uma garota >uma garota que tinha acabado de me beijar >decidi que simplesmente ia ver onde isso ia parar >péssima ideia, 18:00h da noite e ela ainda não tinha ido embora >- esse livro não é roubado, é? - eu perguntei, segurando-o >- você não devia estar fazendo uma resenha dele? >- não, eu faço amanhã. >- não, você faz hoje. Amanhã vamos sair! >- o quê? Como assim, você não me convidou pra lugar nenhum, e nem eu… droga, dá pra você me explicar o que tá acontecendo? >- você é divertido, e eu quero sair com você, é isso. Não é óbvio? >eu respirei fundo >qual é o problema dessa garota? >ela fugiu de mim por uma semana >quase me matou afogado >e agora entra no meu quarto, me beija, joga meus jogos e praticamente ordena que eu saia com ela? >eu queria ter o auto-confiança dela >nem sei o motivo, mas simplesmente fui fazer a resenha do livro >as vezes eu parava pra observar ela jogando >ela era muito boa nisso >mas que porra! Há algumas horas atrás eu estava planejando fazer ela pagar uma multa caríssima e me vingar da raiva que ela me fez passar >e agora ela tá sentada na minha cama >eu bem que podia jogar ela da janela e dizer que foi um acidente >na verdade eu deveria ter feito isso, como descobri mais tarde >pois deu a hora do jantar e ela ainda estava lá >- O jantar tá na mesa! - minha mãe gritou da sala de jantar >eu nem tinha visto ela chegar >- finalmente! Eu já tava com fome – ela disse, e largou o joystick de lado >ela ia jantar na minha casa >ela… ia… jantar… na… minha… casa >puta que pariu pela terceira vez >eu demorei pra sair do quarto >conseguia ouvir ela falando com minha mãe >ela tinha um carisma do caralho >dava pra ver que as duas estavam se entendendo super bem >tipo, nem foi como “quem é essa garota que eu nunca vi antes?” >quando eu desci, as duas estavam conversando sobre Casablanca >um filme muito bom inclusive, recomendo >minha mãe também gostava de filmes antigos, por causa do meu avô >meu pai passou o jantar inteiro me olhando com aquele jeito tipo “boa, filhão!” >eles tavam pensando que ela era a minha namorada >- então, há quanto tempo vocês se conhecem? - minha mãe perguntou >- há umas duas semanas, e ele passou esse tempo todo tentando me conquistar – ela disse, me olhando de um jeito desafiador >minha mãe riu, meu pai continuava minha olhando igual a um idiota >meu avô agia como se nada estivesse acontecendo >aquela seria uma longa noite >e eu tentava achar um motivo pra não gritar “EU NÃO CONHEÇO ESSA DOIDA, ELA SIMPLESMENTE ENTROU NA MINHA VIDA E FEZ UM MONTE DE MALUQUICE E EU NÃO QUERO VER ELA NUNCA MAIS! ALGUÉM FAZ ALGUMA COISA!” >se bem que de alguma forma, agora eu já não estava tão desesperado assim >meu avô por algum motivo não se importa com os filmes >e eu desconfio que ele já conheça ela >e apesar de eu não estar muito afim de ver a cara dela, acho que a minha raiva passou >eu consegui fazer a redação, no fim das contas . >por sorte, não aconteceu nenhum desastre no jantar >apesar de que ela fez parecer que eu sou louco por ela para os meus pais >depois disso, ela finalmente foi embora >minha mãe foi fazer um daqueles comentários constrangedores >- ela é muito bonita e inteligente, você deve gostar muito dela. >eu ignorei, fui direto falar com meu avô em particular >- certo, vô, me explica o que tá acontecendo… - eu falei >- o quê? Como assim? >- você conhece ela de algum lugar? Por que você não liga pro registro com os 13 filmes não devolvidos? >- você se importa mesmo com isso? >- bom, sim, né… >ele riu >- sabe, quando eu era jovem, eu ia para o cinema assistir as matinês de faroeste que tinham no domingo - disse meu avô, sentando-se em sua poltrona >aquilo ia ser interessante, pelo visto >- mas eu não tinha dinheiro para assistir essas matinês todo domingo. Então eu ia até o porteiro, dizia que meu pai estava lá e precisava falar com ele, entrava e assistia. >- e ele caia nisso? – eu perguntei, achando aquilo ridículo >- claro que não! - ele respondeu rindo – Mas ele não se importava, ele deixava por pura vontade. >à essa altura, já tinha entendido onde ele queria chegar >- quando essa garota apareceu pela primeira vez, há mais ou menos um mês, eu a vi trocando os adesivos dos filmes – ele continuou – eu ia chamar a atenção dela, mas então eu vi a cena mais bonita em todo o tempo que trabalhei ali: ela tinha pego um filme do Charles Chaplin. Uma garota de uns 16 anos, em pleno século XXI, pegando um filme de Chaplin! >eu estava começando a me sentir mal por querer fazer ela pagar a multa >- eu não sei qual a condição financeira dessa garota, mas acontece que ela ama cinema, e ela faz o que faz, por causa disso, exatamente como eu fazia. Eu sou o porteiro agora, entende? Eu sei o que ela faz, mas eu também sei o motivo. E isso faz com que eu não me importe. >- então ela pode pegar filmes à vontade? >- é, ela pode. Apenas faça parecer que você não sabe, isso é importante. >- certo. >- agora, como eu já tinha dito, vá se divertir. É sábado! >meu avô sorriu e então se levantou, indo para o seu quarto >- boa noite. >- boa noite, vô. >agora eu me sentia um idiota >um completo idiota >essa é provavelmente a garota mais incrível (e maluca) que eu já conheci >a verdade é que eu não mereço ela >eu não mereço a amizade dela >eu não mereço a atenção que ela me dá No dia seguinte…